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As lésbicas e o esporte
Nem só de prazer vivem as meninas que curtem meninas

Por Anelise Csapo
Dizem as “más” línguas que é fetiche de nove entre dez homens ver duas mulheres juntas na cama. Tanto que cenas de lesbianismo são verdadeiros chamarizes em filmes pornôs. Duas coisas precisam ser ditas sobre isso: a primeira é que, embora existam lésbicas que, aqui e ali, gostam de provar outros prazeres, a grande maioria dessas mulheres será mesmo bissexual ou “hétero-curiosa”, já que lésbicas são bem menos afeitas à presença masculina no sexo.
As pioneiras
É culpa do título do filme desta edição, “Time dos Sonhos”, que tenhamos optado por falar logo de esporte, mas também atividade desportiva não é diferente de nenhuma outra situação na vida, não é?
Pois então. As mulheres que assumem que gostam de mulheres já sofrem muitas dificuldades em outras áreas. Com o esporte, não seria diferente: o preconceito é pesado, pois a garota deve estar disposta a manejar o profissional com muito cuidado para não perder patrocínio nem apoio da equipe, se for profissional. Desse modo, muitas optam por manter as preferências na clandestinidade.
Algumas, porém, trilharam outro caminho – e, nesse quesito, o tênis parece ser mais aberto. Campeãs consagradas, como Martina Navratilova e Billie Jean King, se assumiram abertamente, o que ajudou na desmistificação de preconceitos e incentivou outras atletas a fazerem o mesmo.
Tanto que se, para Navratilova, a admissão de suas preferências lhe custou a perda de contratos milionários, a ninfeta francesa Amelie Mauresmo, de 19 anos, que já se declarou lésbica, não perdeu um só patrocinador. Como conseqüência, há atletas de vários países – judocas e jogadoras de handebol, futebol e basquete – que vêm assumindo sua orientação sexual sem tumultos.
“É importante se respeitar se você quer seu melhor [...] Eu lembro da história de Billie Jean King, e isso me ajudou quando eu era mais nova. [...]. Como eu não tinha nada a perder, fui em frente”, revela a biatleta lésbica Joan Gretschow, de Utah (Estados Unidos).
Só para mulheres
O Brasil não ficou de fora desse incipiente, mas instigante movimento. Já existe até um Campeonato Social de Futebol para atletas lésbicas. “Tanto eu quanto as outras meninas falávamos de homem e mulher no vestiário, mas rolava algumas paqueras, como comentar sobre o corpo da outra ou apertar o bumbum no meio no campo e falar algo no ouvido.
Algumas levavam as namoradas nos jogos. Organizávamos alguns churrascos de time sem a presença de homens, e era a maior pegação mesmo”, lembra a jogadora de futebol universitário Adriana Rollemberg, que já jogou profissionalmente no Tietê e no Banespa.
Grosso modo, as atletas sempre tiveram de enfrentar dois tipos de preconceito social:
· Diferenças físicas, que as faziam “menos competentes” para o esporte do que os homens;
· Masculinização das práticas desportivas, tornando-as “anormais” e/ou “lésbicas”.
Por isso, a historiadora norte-americana Mary Jo Festle argumenta que as atletas profissionais são quase obrigadas a adotar uma postura apologética, tomando o cuidado de mostrar que sua prática no esporte não compromete sua feminilidade.
Esporte e sexualidade
De toda forma, a verdade é que tem partido especialmente das mulheres a (difícil) implosão do tabu da orientação sexual no esporte de alto rendimento, coisa que fica ainda mais complicada quando o esporte é coletivo. Mesmo assim, Sue Wicks, jogadora de basquete do New York Liberty, fez questão de dizer em alto e bom som para o Time Out New York: “Sim, eu sou lésbica. Normalmente, este é um assunto complicado, quando ele se torna ponto de interesse único, mas nós não podemos evitar”. Sue acrescenta que tem sorte de ser de Nova York, o que para ela minimiza o impacto da declaração.
“Aqui, ninguém se importa com quem eu durmo e nem julgam as colegas de time. Não ligam se temos que dividir a cama ou o chuveiro ou o que quer que seja. Acho que as mulheres sabem lidar com isso mais facilmente que os homens, apesar de que algumas pessoas mais velhas também não lidam muito bem com o que não se encaixa num padrão. Mesmo assim eu tive a maior pontuação feminina na Copa do Mundo de 93”, confessa Joan Gretschow, aposentada há 10 anos. Ela mesma diz que os biatletas costumam ser mais velhos. Portanto, mais maduros e respeitosos.
É certo que algumas pessoas optam por ficarem quietas, como uma maneira de respeitar as lésbicas. Já a mídia gosta de fazer escândalo com a orientação sexual de atletas, como se isso interessasse mais do que o desempenho esportivo e suas competências. “A orientação sexual não atrapalha, se as pessoas souberem lidar bem com isso. Quando você está segura, é fácil ser você mesma se alguma vez isso vier à tona”, recomenda Joan Gretschow com a experiência de quem soube lidar com o assunto.
Anelise Csapo (anelisecsapo@yahoo.com.br) é jornalista e colaboradora dos títulos da Sexsites Editorial.