PERFIL
Fritz Klein: em defesa da bissexualidade
Infelizmente, o bissexual, às vezes, parece ter mais problemas em assumir sua condição do que outras pessoas fora da norma hétero, como os homossexuais ou os transgêneros (transexuais e travestis) - mas há quem defenda e ostente a bandeira de três cores com orgulho, como o psiquiatra Fritz Klein.
por Vides Júnior
Muitos são aqueles que definem o bissexual como quem está “em cima do muro” – o que, como vimos na última edição, não é bem verdade.
No entanto, devido a essa suposta “condição dupla” (gostar de mulheres e de homens), o bi ainda sofre de grande dificuldade em expor seus sentimentos, mesmo diante de grupos tão militantes como os gays.
Ao assumir para uma mulher que também gosta do mesmo sexo, é visto com desprezo ou repulsa; se diz para um parceiro que também gosta de mulheres, idem. Curiosamente, a bissexualidade parece ser muito mais tolerada entre as mulheres.
São poucos os nomes mundiais que defenderam uma forma de considerar a bissexualidade como uma condição independente e com características próprias e legítimas. Entre eles, está o psiquiatra e pesquisador Fritz Klein, cujos estudos revolucionaram o modo de encarar a sexualidade humana.
A Grade Klein
Na década de 1980, Klein começou a questionar a famosa escala criada por Alfred Kinsey na década de 1920. A Escala Kinsey, assim chamada, levava em conta o histórico de comportamentos sexuais das pessoas e, por meio deles, classificava-as em graus que iam de zero (heterossexualidade plena) a seis (homossexualidade plena).
Os outros graus seriam: 1- predominantemente heterossexual, homossexualidade rara; 2- predominantemente heterossexual, homossexualidade frequente; 3- igualmente hétero e homossexual; 4- predominantemente homossexual, heterossexualidade frequente; e 5- predominantemente homossexual, heterossexualidade rara. Segundo as pesquisas de Kinsey, tanto o heterossexual pleno quanto o homossexual pleno eram raros.
Para Klein, entretanto, a Escala Kinsey tinha limitações e conceitos ultrapassados, que não condiziam mais com uma época que havia experimentado a revolução sexual entre as décadas de 1960 e 1970. Foi, então, que criou a Grande Klein, na qual demonstrava que a sexualidade é flexível e pode mudar no decorrer do tempo.
Grosso modo, isso quer dizer que uma pessoa que se considere heterossexual pode vir a experimentar a homossexualidade, para, mais tarde, descobrir que é bi – e várias outras combinações também são possíveis.
A Grande Klein não trabalha baseada em perguntas simples como: “qual a sua orientação sexual?”. Ela vai mais fundo, levando em conta as fantasias dos pesquisados, o estilo de vida que levam, práticas sexuais no passado e no presente e o ideal de sexualidade e companheirismo para o futuro.
Seguindo esses critérios, Friz Klein descobriu que o índice de bissexuais era, na verdade, muito maior do que se esperava.
Segundo o psiquiatra, a bissexualidade pode ser definida como a atração sexual, emocional e afetiva por pessoas de ambos os sexos – e não sugere a obrigatoriedade de uma relação sexual. A simples fantasia com pessoas de ambos os sexos já pode incorrer em bissexualidade.
Klein também afirmava que pessoas que apresentam uma convicção estreita sobre sua heterossexualidade ou homossexualidade podem, mais tarde, incorrer na orientação bissexual.
A teoria da variação sexual de Klein começou a adquirir força em 1978, com a publicação de “The Bisexual Option” (“A Opção Bissexual”). No livro, Klein apresenta povos e culturas em que a bissexualidade é natural, relacionamentos bissexuais poligâmicos e monogâmicos, política, religião e espiritualidade.
Estabilidade e definição
Há poucos meses, uma pesquisa realizada por psicólogos de Nova York e Toronto sugeriu que a bissexualidade não é uma condição estável e definida.
Segundo o estudo, a maioria das pessoas que se diz bi é, na verdade, “homossexual enrustida”. A equipe mediu os índices de excitação genital em resposta a imagens pornográficas que envolviam relações sexuais entre ambos os sexos.
No entanto, além de esse estudo ter sido muito criticado, a maior parte dos psicólogos que o analisou acredita que ele devesse ser repetido com uma amostragem maior de homens bissexuais antes de ser publicado.
Ademais, mesmo com a publicação do relatório, pôde-se notar que apenas 1,7% dos que se dizem bis são, na verdade, homossexuais com problemas em assumir sua verdadeira condição.
O estudo também vai contra os conceitos apresentados por Fritz Klein. Para ele, estudos como esse são inviáveis, exatamente por medirem apenas sensações genitais: não captam sutilezas, como as sensações eróticas, a afeição e a admiração, que constituem parte da atração sexual, muito menos fatores como a atração emocional e até mesmo social, que também têm sua parcela de contribuição.
Da fuga à ofensiva
Filho de judeus ortodoxos, Fritz Klein fugiu com os pais para Nova York quando ainda era criança, a fim de escapar do anti-semitismo que reinava na Áustria.
Como psiquiatra e bissexual assumido, surpreendeu-se ao não encontrar referências de estudos sobre o tema na Biblioteca Pública da cidade. Acabou por fundar o Fórum Bissexual e começou a colher depoimentos para, mais tarde, lançar seu livro.
Entre 1978 e 2005, publicou diversas outras obras sobre o tema, inclusive uma novela, “A Vida, o Sexo e a Perseguição da Felicidade”.
Desde 1982, publicava o “Jornal da Bissexualidade” e, em 1998, fundou o Instituto Americano da Bissexualidade, mais tarde chamado de Bi Foundation, para fomentar e incentivar as pesquisas sobre bissexualidade nos Estados Unidos.
Fritz Klein faleceu aos 73 anos, no dia 24 de maio de 2006, em San Diego, na Califórnia, vítima de ataque cardíaco.
Bandeira do Orgulho Bi
Em três cores, foi criada em 1998 por Michael Page. O rosa representa a comunidade gay; o azul, a comunidade heterossexual; o roxo, cor resultante da sobreposição das outras duas, representa os bissexuais. O simbolismo também se sustenta no fato de que os pixels roxos se misturam aos pixels azuis ou rosas de uma imagem, tal como os bis se misturam tanto entre os gays quanto entre os héteros.